07 julho, 2012

EPOS NORDESTUM, UMA SAGA NORDESTINA



Epos Nordestum
Luigi Ricciardi
                Espremida terra de céu cinzento, lar de quem se deslocou léguas. Concreto firme prometendo sonhos, cidade engolidora que atrai destinos. Olhos apreensivos de futuro, mundo caótico novo, vida deixada algures. Metrópole que não dá conta de ser mãe de tantos adotivos que lhe buscam o colo. E ele ali, olhos de novo Colombo, a avistar montes, de prédios.
No caminho infinito da busca da transposição de si mesmo na casa inóspita, lembrou-se da despedida seca como sua terra, sem olhar no olhar, atitude empregada melhor do que a palavra, pois o dizer nessas horas não diz nada. Mulher fitando-lhe os olhos, ele arisco ao encontro. Virou-se e partiu. Costas viradas para a tapera de infância, tapera onde casara, na festa de sua fome. Mirou o sul, horizontal destino, e a correnteza de lágrimas a tapar-lhe os olhos. Foi-se.
Decidiu-se ir, pois, após olhar a terra ardente qual fogueira. Judiação de plantação, alazão morrendo a míngua. Chuva a rarear verões, a panela vazia de esperança. Jurou-se a mudança. O sul, economias. Ao voltar haveria de tirar de sua terra o desgosto e plantar-lhe o coração. E o verde dos olhos de Rosinha haveria de se espalhar na plantação. Foi ao sul buscar o seu norte.
Analisando veredas, carros cegos e movimentos mecânicos. Chãos cimentados, outrora arborizados. Multidão pelas calçadas a arrastar quem para. Cabresto em cada um que passa, permanecendo indestrutível mesmo se uma bomba cai a meio metro à esquerda. É consumido pela massa no vai-e-vem eterno de não idas.
            Falar diferente nega-lhe o abrigo. Órfão de alma nessa nova terra. Empregos mal pagos, maltratados aqueles que os aceitam. Mas valente! Se debaixo de sol colhia o nada, aqui o solo duro há de lhe cozer o pão. A vida aos poucos dá o seu norte. E meses a fio, a humilhação ele suporta por saudades do sertão.
Vida imprevista essa do sul, no norte a peixeira avisava o ataque, aqui o tiro vem do alto do nada. Bala a ricochetear na esquina, salto por trás de qualquer muro, escudo moderno contras as espadadas destinais. Sonata em acordes dissonantes, zunindo a mosquito, beirando-lhe os ouvidos. Achou estar livre após o breve silêncio, mas mão armada na cabeça, voz a pedir o dinheiro, suado que lhe custara.
Chão duro era melhor que sem-chão. O pouco juntado, voa-se ao vento do sul. Arrependeu-se da navegação que fizera. Foi aí que se lembrou da terra, dura como seu peito, sentiu falta das folhas, do pé descalço, do vento empoeirado. Sou é bicho de campo. E amou mais que nunca sua Rosinha, na triste solidão, longe muitas léguas. Mas estapafúrdia esperança, meios já não tinha de voltar.
Mas ao retornar ao pequeno cubo onde vivia, câmeras e luzes. Fora sorteado, a TV presenteia-o: passagem de volta pra terra, casa mobiliada, um ano de comida no armário. Deus provê, Deus proverá. E assim voltou. Fez viagem sonhadora de retorno, a terra já não tão árida, fértil após as chuvas de sua chegada. Hei de ver os olhos verdes de Rosinha. Encontrou-a na porteira, as câmeras a oscularem a chegada. Os vizinhos batem palmas, aclamam o filho pródigo. A velha mãe a chorar da soleira, e a vida restabelecida.
E veio a chuva, tropicália do norte. Penetrando pulmões de secura humana. O solo agora é transposição dos espíritos, Severino unido à amada, pelo brotar de plantas nos seus olhos de mulher moça. A velha mãe amassando o pão todas as tardes, cozendo para o café do dia seguinte. A fartura é tão grande que não parece ser crível. E quando a terra era úmida como nunca fora, veio a cartada final de outras regiões.
Duas semanas depois, o sul lhe vem ao norte. Visto na TV, Severino é estudado, desejado por seus bens. Sutil retoque do destino que vem com os dentes afiados. E um dia qualquer à noite, ao fechar a porteira, sentiu presença inesperada. E então, bala a ricochetear o chão, pernas a buscar abrigo, mas projétil lhe perfura o peito. E o verde dos olhos de Rosinha já não se espalhará na plantação.

Do livro Anacronismo Moderno, publicado pela Editora Scortecci em novembro de 2011.





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