Afinal, tudo não passou de uma brincadeira lançada por um jornalista polêmico ou há realmente uma conspiração em torno do possível show de João Gilberto em Maringá? Muita gente cuspiu na brincadeira ridícula, outras se tornaram uma espécie de personagem de Umberto Eco. Vários escritores se pronunciaram, escrevendo sua versão. Outros vociferaram contra mim via inbox no facebook, por tê-los citado. O texto foi à Araraquara, chegou à pós-graduação. De lá, dizem que foi levado para São Paulo, Rio e Buenos Aires. Uma fonte minha garante que Carlos Gardel teria tocado em São Paulo e que também há muito mistério em um possível show do J.G. na capital porteña. Já ouvi gente afirmando que isso tem a ver com wikileaks. Outros dizem que tudo isso seria uma conspiração alemã para a instalação do quarto reich. E eu o que sei disso tudo? O tema me obcecou, mas temo pela minha vida. Por isso vou somente escrever ficção a partir de agora, e deixo o limiar entre um e outro para os mais corajosos. Eis minha despedida. Espero que sirva para algo!
Fã que não quer se identificar teria tirado uma foto do show do João Gilberto em Maringá |
J. G.
Luigi Ricciardi
Achei
que não fosse me envolver em tais historietas e nessa caça por detalhes de um
possível acontecimento do qual todo mundo guarda um mistério esquizofrênico. Há
semanas que não se fala de outra coisa na cidade. Méritos ao Alexandre Gaioto (o
vendedor de sonhos e fábulas lado b que alimentam os sonhos dos literatos e
amantes da música) que lançou o mistério típico das narrativas conspiratórias
do Marcos Peres.
Luigi Ricciardi e Alexandre Gaioto |
Fiquei na moita esperando as
versões, que tiveram seus próprios méritos, todas muito bem escritas. Nessa
brincadeira, o Reginaldo Dias escreveu um dos melhores textos de sua carreira,
segundo dizem. Houve versões também do Victor Faria e do Wilame Prado, Jary
Mércio. Esperei algo memorialista do Oscar (de uma história desmemorizada), mas
fez bem: ameaçou processar o Gaioto. Alguns dizem que o jornalista
recebeu inclusive telefonemas anônimos com ameaças de morte. A ironia ácida do
Ademir Demarchi se fez presente. Fiquei na expectativa de uma versão que
contivesse algo relacionado ao Grêmio Maringá ou uma atmosfera noir, mas o Nelson Alexandre não se
pronunciou, assim como o Marco Hruschka, de quem esperava um soneto
petrarquiano ou, pelo menos, alguma máxima facebookiana. Com o André Simões já
é mais difícil competir, o rapaz é devoto de São João del Gilberto (mais que de
Brian Wilson?). Em uma mesa de bar, encorajei o Zé Flauzino a entrar na peleja.
Sinalizou positivamente, mas desistiu em seguida – tinha dois manuscritos de
futuro prêmio Nobel pra corrigir. E cadê a versão “em bordel” da Bruna Siena? De
qualquer forma, mesmo que alguns não se pronunciassem, a história tomou enormes
proporções.
Achei
que com a repercussão o resto do estado se interessaria. Fiquei esperando o
Miguel Sanches Neto se pronunciar, resgatando algum fato histórico ou dizendo
que fora tudo conspiração neonazista. Dalton Trevisan, caso decidisse entrar na
brincadeira, diria que era culpa da Polaquinha, oh Glória, que frequentava o
Santo Inácio. Aquela que, todos os dias, ao sair do colégio, como diz o Gaioto,
prosódico maior de seu mestre, dava lambidas na melhor raspadinha da cidade. “Oh
raspadinha do Santo Inácio”. A vizinha
Londrina fingiu que não era com ela – jamais daria corda para histórias
inautênticas de uma terra cujo sol brilhava menos que lá.
"Coxinhas" de Bueno de Andrada |
Eu
já nem lembrava disso tudo, estava focado no meu doutorado cuja vaga veio a
muito custo. Uma vez por semana eu pego minha uma mochila, boto uma muda de
roupas e alguns livros e vou para Araraquara estudar. Isso vai durar ainda
alguns anos. Passo algumas horas na casa de um amigo que mora perto do campus, antes
de ir e depois de voltar das aulas. Em um desses dias, num fim de tarde, ele me
convidou para ir a Bueno de Andrada, distrito ali perto, para comer as
famigeradas coxinhas de frango.
Imediatamente
me lembrei do Ignácio de Loyola Brandão dizendo, quando estava de passagem por
Maringá, que a melhor coisa da sua terra eram as coxinhas. Fomos lá provar. A fila
era imensa e a coxinha deveras saborosa. Minutos depois de me saciar, vejo um
alvoroço no boteco: era o próprio Ignácio de Loyola que chegava para provar do
prato regional. Estava de passagem pela cidade e não deixaria de degustar a
iguaria. Foi atendido de pronto, com duas coxinhas e uma cerveja trincando. De
imediato quis falar com ele. Os primeiros momentos foram dificílimos, todo
mundo queria chegar perto do filho ilustre da cidade. Fui paciente e esperei.
Por sorte, eu estava lendo o Zero e
levei o exemplar para que ele o autografasse com o intuito de bater um papo com
um ídolo, de pedir conselhos de um escritor canônico a um escritor iniciante.
Quando
me toquei estava sentado na mesa com ele e mais umas dez pessoas, falando de
musas do cinema dos anos sessenta e cantoras de rádio – eu não conhecia quase
nenhuma delas. Ele me perguntou de onde eu era, e quando eu respondi Maringá
ele ficou animadíssimo. Disse que tinha passado pela cidade umas dez vezes (a
primeira vez nos anos 1960, algumas outras nos anos 1970), que adorava as
avenidas largas, as árvores e era louco por uma mulher – como era mesmo o nome daquela
dama que fica todas as noites ali na frente das Lojas Pernambucanas?
Disse
que teve uma paixonite avassaladora por ela e que lhe fizera várias propostas
de casamento. A dama recusou todas para continuar no ofício. De repente toca
João Gilberto no rádio. Pra machucar meu
coração. Então me lembrei da história do Gaioto e quis brincar: Por acaso
você não esteve no show dele lá em Maringá, esteve? Sua expressão anuviou-se.
Que show? Perguntou-me. O mais famoso que fez por lá, eu respondi, ainda
brincando. Então ele me encarou por uns dois minutos, incrédulo. Sua voz
parecia sair das profundezas quando quebrou o silêncio: rapaz, eu estive lá
sim, mas se quer preservar sua vida, não mexa nunca mais com isso, isso foi há
muito tempo e ninguém tem o direito de resgatar esse passado. E não falou mais
comigo. Deu papo a uma senhorinha que vinha com o País Nenhum para autografar, pediu a saideira, bebeu-a praticamente
toda, já de pé, e partiu.
Bar do Zinho |
Saí
para beber e encontrei uns malucos que fumavam maconha. Passei um tempo bebendo
vinho barato com eles e contando as várias versões dessa história. Acharam-me
louco. Fui embora sozinho e ainda obcecado. No feriado, fui para Araraquara, dois
dias antes da minha aula. Era uma tentativa desesperada de encontrar alguém
próximo ao Ignácio, para tentar arrancar dele alguma informação sobre o show do
João Gilberto, mas só esbarrei em histórias sem nexo. Fui parar no Bar do
Zinho, onde, dizem, as coisas acontecem por lá. Eu já estava bebendo há mais de
vinte e quatro horas com alguns intervalos para cochilos rápidos e vômitos no
banheiro. Foi quando eu encontrei um colega da UNESP. Contei-lhe toda a
história. Literato que é, aconselhou-me: rapaz, ligue pro Sérgio Sant’Anna, ele
deve saber de algo.
Eureca! Como eu não tinha pensado no Sérgio antes? O cara que tinha escrito O Concerto de João Gilberto no Rio de Janeiro. Ele deveria saber de algo. Não tinha o telefone dele, mas tinha
o contato do André Sant’Anna, que, de passagem por Maringá, passou o telefone
pros metidos a escritor da cidade: quando quiserem. Peguei o celular, saí do
bar e liguei para ele. Ainda não era meia noite. Atendeu-me com voz de sono.
Não fiz muita cerimônia. Apresentei-me e contei toda a história, que ele ouviu
em silêncio. Se acreditasse em mim, seria fácil de chegar ao pai dele. Esperou
que eu falasse tudo para então vociferar: Você nunca mais me ligue pra falar
disso senão eu te processo. Isso começou com aquele seu amigo maluco. Vocês
estão mexendo onde não devem. Não vá atrás do meu pai e diga àquele seu amigo
“Gaiato” que ele me paga. Desligou deixando um zunido no meu ouvido.
Voltei
para o bar e o Luis me grita: Luigi, caramba, hoje tem show cover aqui no bar,
o show é do Jotagê, cara, dizem que ele foi amigo muito próximo do João
Gilberto. Mas eu já tinha perdido as esperanças. O cara chegou, começou a tocar
e eu em direção ao coma alcóolico, tentando beber o que restava no bar. O Luis tomou a liberdade de falar com o Jotagê no intervalo. Eu já estava pagando a
conta para ir embora quando um soco me acertou o olho esquerdo em cheio. Você é
o imbecil que tá vindo atrás de coisa antiga? Rapaz, se você não sair daqui
logo eu te arranco os olhos fora. Não mexa com o João Gilberto, ouviu? Senão
ele acaba com você, disse o Jotagê.
Kubitschek Bar e sua Noirceur |
Contei
tudo isso ao Gaioto quando voltei, tomando uma cerveja entre músicas de videokê
no Kubitschek. Perguntei o que ele achava, quais eram suas fontes, de onde ele
tinha tirado tudo isso.
Não
falarei mais sobre isso, Luigi, vamos parar antes que alguém morra. E pra falar
a verdade, já está mais para um Samba de
uma nota só.
Fui beber para esquecer toda essa história |
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